A gastrite é um processo inflamatório na mucosa gástrica, causada pelo aumento na produção de secreção ácida, diminuição do nível de bicarbonato e lesão da mucosa estomacal. Sua manifestação pode ser aguda ou crônica. A primeira é uma síndrome caracterizada por vômito de início súbito, sendo que na maioria dos casos é causada por indiscrição alimentar. Neste caso, o tratamento é sintomático e de suporte. Quando a causa for intoxicação medicamentosa, corpo estranho ou distúrbios metabólicos, deve-se proceder a uma abordagem diagnóstica completa para determinar a causa exata e proporcionar a melhor forma de tratamento.
No que se refere à gastrite crônica, é bastante comum em cães, afetando cerca de 35% dos cães investigados por vômitos crônicos e 26% a 48% de cães assintomáticos. Apesar da sua alta prevalência, uma causa subjacente raramente é identificada. Em gatos, a prevalência ainda não foi determinada. Na ausência de doenças sistêmicas, drogas ulcerogênicas ou irritantes, corpos estranhos, parasitas ou raros casos de infecções fúngicas, a gastrite é geralmente atribuída à intolerância alimentar, parasitismo oculto, reação a antígenos bacterianos ou patógenos desconhecidos. Há ainda uma alta prevalência de infecção gástrica por Helicobacter spp. em cães, sendo que esta bactéria está presente em cerca de 67% a 100% dos cães saudáveis e 74% a 90% dos cães que apresentam vômitos.
O principal sinal clínico de gastrite crônica é o vômito de alimentos ou vômito com presença de bile, além de redução do apetite, perda de peso, melena (fezes com sangue digerido) ou hematêmese (vômito com sangue). Se houver presença concomitante de sinais dermatológicos e gastrointestinais, há grande probabilidade de haver sensibilidade alimentar. O animal pode ainda apresentar distensão abdominal devido ao esvaziamento gástrico retardado causado por obstrução ou propulsão defeituosa.
Uma vez diagnosticada, o tratamento da gastrite deverá ser conduzido de acordo com a causa subjacente, sendo frequentemente empírico. Na medicina veterinária holística, o tratamento é feito com base em alterações na dieta, homeopatia, nutracêuticos e fitoterápicos que têm papel no controle e manejo da gastrite. No artigo de hoje, abordaremos alguns nutracêuticos e fitoterápicos muito eficazes no tratamento e manejo da gastrite.
1) Espinheira santa (Maytenus ilicifolia):
Planta nativa do pertencente à família Celastraceae, utilizada tradicionalmente para alívio da má digestão e como coadjuvante no tratamento de gastrite, úlceras estomacais e duodenais, uma vez controla da acidez estomacal e refluxo, além de proteger a mucosa gástrica através do aumento da camada de muco do estômago.
Suas propriedades terapêuticas são devidas a uma grande variedade de substâncias em sua composição, destacando-se os triterpenos, polifenóis, flavonoides e taninos. Dentre os citados, os taninos conferem propriedades antinflamatórias, antioxidantes e cicatrizantes e os triterpenos conferem propriedades antiulcerogênicas, antinflamatórias e antioxidantes.
Estudos mostram que a Espinheira Santa é tão eficaz quanto a ranitidina e a cimetidina, duas drogas bastante usadas no tratamento de úlceras e gastrites, sendo ainda um excelente substituto para o omeprazol que, conforme estudos recentes, está associado ao desenvolvimento de alguns tipos de câncer.
2) Cogumelo Juba de Leão (Hericium erinaceus):
Também conhecido como Lions Mane, é um cogumelo comestível muito raro e considerado uma iguaria no Oriente. Muito utilizado na MTC por seus efeitos benéficos no sistema gastrointestinal, inclusive em estados inflamatórios e neoplasias.
Seu campo de ação é amplo, atuando na melhoria da função gástrica, auxiliando no reparo da mucosa intestinal, tonificando o sistema nervoso e cognitivo e harmonizando o eixo psico-neuro-orgânico. Também melhora a qualidade do sono e a adaptação ao estresse, além de atuar na regeneração neuronal.
Estudos mostram que o Hericium erinaceus tem ação antinflamatória, regenerativa e prebiótica em todo o sistema digestivo. Suas propriedades são aplicáveis desde o esôfago até o intestino, apoiando o desenvolvimento da flora bacteriana eubiótica e corrigindo os desequilíbrios de permeabilidade causados por estados inflamatórios. Além disso, neutraliza a ação de bactérias intestinais patogênicas, melhora a estrutura das vilosidades intestinais e torna a absorção de nutrientes mais eficaz. É capaz de neutralizar a ação da Helicobacter pylori, em nível gástrico, tanto por meio da ativação do sistema imunológico contra o patógeno quanto por meio de ação antimicrobiana direta. Também age na melhora do apetite.
Em doses específicas, é capaz de atuar eficazmente em lesões pré-cancerosas do esôfago, melhorando a estrutura celular do tecido. Estudos efetuados com uso de Hericium em modelos animais demonstraram que o cogumelo inibiu a formação de lesões de úlcera induzidas por etanol em cerca de 70 a 90% dos casos.
Não há contraindicações relatadas na literatura científica, mas recomenda-se cautela na administração em indivíduos com neoplasias cerebrais devido ao conteúdo de fatores de crescimento neurológico.
3) Extrato de Alcaçuz desglicirrizado (Glycyrrhiza glabra)
O alcaçuz é extraído da raiz do arbusto Glycyrrhiza glabra e tem uma longa história de uso medicinal desde o antigo Egito, Grécia e época romana, além de ser usado na China antiga. Tem várias propriedades, agindo como antinflamatório, antiespasmódico, estrogênico, expectorante e antiulcerogênico, sendo que na veterinária é mais usado pela sua função expectorante, além de ser aplicado no tratamento de úlceras gástricas e duodenais.
Dentre seus princípios ativos, o alcaçuz contém saponinas e flavonoides, que aumentam a quantidade de prostaglandinas circulantes no organismo, promovendo a secreção de muco no estômago e renovação das células estomacais. O mecanismo da atividade antiulcerogênica envolve aceleração da secreção de mucina através do aumento da síntese de glicoproteínas, aumento da vida das células epiteliais e atividade antipepsina, que protege o estômago contra suas próprias secreções pépticas.
Um estudo feito com 169 pacientes humanos com úlceras duodenais crônicas demonstrou que o alcaçuz desglicirrizado administrado via oral 3 vezes ao dia, foi tão eficaz quanto o tratamento com cimetidina. Diversos estudos também demonstraram que o alcaçuz é eficaz no tratamento contra a H. Pylori, sem ter efeitos adversos sobre a flora bacteriana do trato gastrointestinal.
Idealmente, deve-se usar o alcaçuz desglicirrizado, pois nesta forma não há aumento da pressão arterial. Deve-se ter cautela com o uso em pacientes com hipertensão, distúrbios colestáticos, cirrose, hipocalemia ou insuficiência renal crônica, e durante a gravidez. Adicionalmente, como aumenta a perda de potássio, não deve ser administrado junto com tiazida e diuréticos de alça.
4)Gamma oryzanol:
Trata-se de um fitoquímico nutritivo que ocorre naturalmente no óleo cru de farelo de arroz (Oryza Sativa L.) em concentrações que vão de 1,5% a 3%. Ele também pode ser encontrado em quantidades menores na cevada e no milho. É uma mistura única de triterpenos, esteróis e ésteres do ácido felúrico, tendo excelentes propriedades antioxidantes. É um ótimo cicatrizante estomacal, além de ser benéfico para a redução da gordura hepática (pois aumenta a oxidação de gordura), reduz fadiga muscular e age como neuroprotetor. Também possui outras atividades funcionais, agindo como antioxidante, antidiabético e anticâncer.
Conclusão:
O tratamento da gastrite em animais de estimação utilizando nutracêuticos e fitoterápicos apresenta uma abordagem promissora na medicina veterinária. Compreender as causas subjacentes da gastrite, sejam elas relacionadas à alimentação, infecções bacterianas ou outros fatores, é crucial para fornecer o melhor cuidado aos nossos amigos de quatro patas.
Ao explorar os benefícios de ingredientes naturais como a Espinheira Santa, o Cogumelo Juba de Leão, o Extrato de Alcaçuz Desglicirrizado e o Gamma Oryzanol, podemos não apenas tratar os sintomas da gastrite, mas também promover a saúde geral do trato gastrointestinal dos animais.
No entanto, é importante ressaltar a necessidade de orientação veterinária ao utilizar esses suplementos, garantindo doses adequadas e considerando quaisquer condições de saúde pré-existentes do animal.
Com uma abordagem holística e individualizada, podemos ajudar nossos animais de estimação a encontrarem alívio da gastrite e a desfrutarem de uma melhor qualidade de vida, oferecendo-lhes tratamentos mais naturais e gentis.
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