Como muitos sabem, em setembro mudamos para Florianópolis para viver mais próximo do mar e da natureza. A vida na praia é realmente inigualável...a proximidade com a natureza e as caminhadas matutinas na praia trazem maior leveza à vida e maior motivação para realizar nossos projetos...mas também nos coloca, de forma mais contundente, frente a problemas que já conhecíamos e falávamos, mas que agora se tornam rotineiros.
Me refiro à poluição por plástico! Sim, a caminhada diária na praia nos mostra que a quantidade de plástico que polui o mar é infinita! Sou daquelas pessoas que recolhe o lixo na praia...muitos acham que sou louca, pois não vou conseguir dar conta de todo lixo, mas é praticamente incontrolável – vejo um plástico e recolho, pois, sei que aquele plástico, no mínimo, vai acabar no estômago de algum animal e isso me incomoda profundamente.
Numa rápida pesquisa no PubMed por “plastic pollution”, estão disponíveis mais de 2.200 artigos científicos sobre o assunto, mostrando os impactos da poluição por plástico não só no meio ambiente, mas também na saúde dos animais e pessoas. Sabemos que os plásticos são amplamente utilizados na nossa sociedade, com uma estimativa de 320 milhões de toneladas fabricadas anualmente em todo o mundo [2]. Não à toa que a poluição por plásticos e seu impacto na sustentabilidade ambiental tem sido foco de várias pesquisas científicas.
Os plásticos que poluem o meio ambiente, incluindo microplásticos e nanoplásticos, contêm disruptores endócrinos que se deslocam para o meio ambiente, incluindo o solo, a água e a atmosfera, tendo grande impacto sobre a saúde de animais e plantas, devido a liberação de toxinas. Medindo menos de 5 mm de diâmetro, essas se infiltram na cadeia alimentar, tornando-se parte da dieta humana e animal.
A ingestão de microplásticos tem sido associada a distúrbios gastrointestinais, doenças endócrinas [6], câncer, além de um possível papel na transmissão de bactérias patogênicas. Além disso, quando inalados, os microplásticos também tem impacto sobre a saúde respiratória e cardiovascular. O contato dérmico, embora menos explorado, levanta a perspectiva de irritação da pele e reações alérgicas [2; 4].
Diversos estudos mostram que é possível detectar micropartículas de plástico em amostras de urina e sangue humanos, pois as membranas celulares e o sistema circulatório podem ser atravessadas por pequenas partículas com tamanhos inferiores a 10 μm. Já foram encontrados microplásticos em amostras de fezes humanas e de animais de estimação. Além disso, os microplásticos foram encontrados na placenta humana, no leite materno e no escarro [4; 7].
Um artigo publicado em Agosto de 2023, conduzido por pesquisadores brasileiros, portugueses, espanhóis e ingleses demonstrou que pacientes que são submetidos à hemodiálise tem um alto risco de contaminação por microplásticos. O referido estudo estimou que, para uma eficiência de filtragem de 99% para microplásticos, a quantidade que pode penetrar nos rins dos pacientes é de 0,0021-3768 partículas/semana [3]. Isto é preocupante, não é mesmo?
Não podemos esquecer os inúmeros casos de animais, como tartarugas e aves marinhas, que ingerem pedaços de plástico e acabam com obstruções no sistema digestório ou morrem por inanição pois com o estômago cheio de plástico, não conseguem se alimentar. Existem estudos científicos demonstrando este problema, que afeta inclusive espécies em extinção, como os albatrozes e petréis [5].
Ou seja, a situação é alarmante...mas qual a relação disto com nossos pets? Como você já pode imaginar, eles também são afetados da mesma forma que os seres humanos, ou seja, nossos pets estão ingerindo e inalando estas micro e nanopartículas que poderão resultar em sérios distúrbios de saúde, reduzindo a longevidade e a impactando a qualidade de vida!
Isso sem contar os animais silvestres, sejam pássaros ou animais terrestres e toda a variedade de espécies marinhas. Quem nunca viu a imagem de um biólogo retirando plásticos de dentro do estômago de uma ave marinha ou de uma tartaruga? Ou um golfinho com uma garrafa plástica presa na cabeça? Triste, não é mesmo! Os fragmentos de plástico geram grandes problemas sobre os sistemas marinhos e estima-se que interajam com mais de 700 espécies. Além de representar uma ameaça através da ingestão, também causam problemas pelo emaranhamento, degradação dos principais habitats aquáticos e terrestres e outros efeitos deletérios no ecossistema [1] .
E parte de cada um de nós mudar esta situação – claro que não sou eu sozinha que vou conseguir retirar todo plástico da praia, mas se cada um fizer a sua parte, reduzindo o consumo de plástico, substituindo copos e garrafas plásticas por modelos "ecofriendly", levando a sua "ecobag" para o mercado, preferindo produtos com menos embalagens, não soltando balões em festas e comemorações e utilizando cosméticos livres de microplásticos entre outras ações, estaremos contribuindo para a saúde do planeta e dos nossos animais de estimação! Devemos lembrar que o mercado é regulado pelos consumidores – à medida que os consumidores exigirem um modo de produção mais responsável, as empresas terão que se adequar ou acabarão por perder mercado!
E porque uma médica veterinária está escrevendo isso? Porque todo veterinário tem responsabilidade sobre a saúde humana e ambiental, além dos cuidados diretos com os animais. Além disso, temos o dever de educar a população – lembrando que o conhecimento deve ser compartilhado, senão não adianta nada! Se não mostrarmos para as pessoas como elas e seus animais são impactados por problemas como a poluição por plástico, nunca conseguiremos mudar este quadro!
Na minha concepção, isto é ser holístico – é se preocupar com o todo, com a saúde de todo o planeta, de todos os animais, plantas e todos seus habitantes, sem exceção. Tudo está interligado e é preciso expandir a conhecimento para fazer a diferença e construir um mundo melhor.
"A vida não nos exige sacrifícios inatingíveis; ela nos pede que façamos nosso caminho com alegria no coração e que sejamos uma bênção para os que nos rodeiam, de forma que, se deixarmos o mundo apenas um pouquinho melhor do que era antes da nossa visita, teremos deixado a nossa missão." (Dr. Edward Bach)
Referências:
1. Duncan, E.M. et al. Plastic Pollution and Small Juvenile Marine Turtles: a Potential Evolutionary Trap. Frontiers in Marine Science, Art. 699521, Vol. 8, Aug. 2021.
2. Emenicke, E.C. et al. From oceans to dinner plates: The impact of microplastics on human health. Heliyon 9 (2023) e20440.
3. Passos, et al. Microplastics and nanoplastics in haemodialysis waters: Emerging threats to be in our radar. Environmental Toxicology and Pharmacology 102 (2023) 104253.
4. Pirontti, C. et al. First Evidence of Microplastics in Human Urine, a Preliminary Study of Intake in the Human Body. Toxics 2023, 11, 40.
5. Roman, L. et al. A quantitative analysis linking seabird mortality and marine debris
Ingestion. Scientific Reports, (2019) 9:3202.
6. Ullah, S. et al. A review of the endocrine disrupting effects of micro and nano plastic and their associated chemicals in mammals. Frontiers in Endocrinology, Vol. 22, Jan. 2023.
7. Zuri, G. et al. Human biomonitoring of microplastics and health implications: A review. Environmental Research 237 (2023) 116966.
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